segunda-feira, 15 de julho de 2024

Modelo de Parecer - Plano de Saúde e Privacidade

Por Nicholas Maciel Merlone

PARECER

EMENTA: PRIVACIDADE. CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE.

DO RELATÓRIO

O consumidor, usuário do plano de saúde, Tício, questionou frente ao Procon, em 09 de julho de 2018, a violação da intimidade, privacidade, honra e vida privada, e falta de embasamento legal, diante da exigência pela operadora de saúde, em fornecer dados pessoais sensíveis relativos à consulta médica, tais como: 1) “diagnóstico e quadro clínico atual do paciente”; e 2) “descrição e justificativa para a terapia indicada”. A operadora respondeu ao questionamento se baseando em uma Resolução e negando a procedência da reclamação, em 16 de julho de 2018.

É o relatório, passa a fundamentar.

DA FUNDAMENTAÇÃO

A alegação da Fornecedora não merece prosperar como veremos, com fulcro nas esferas normativas internacional e doméstica.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1946, conceituou a saúde como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doença ou enfermidade." Nesse sentido, a saúde relaciona-se diretamente com a qualidade de vidanão devendo ser encarada meramente como um negócio, ou ainda, businessComo veremos, cabe a proteção de dados pessoais sensíveis inerentes a consultas médicas e outros procedimentos, sob pena de se violar os direitos à privacidade, intimidade, honra e vida privada, além da própria dignidade da pessoa humana.

Nos termos do artigo 196, da Constituição brasileira, a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Com base no artigo 199, do mesmo diploma normativo, a assistência à saúde é livre à iniciativa privada. Daí os planos de saúde poderem atuar em complemento ao Sistema Único de Saúde.

Quanto à tutela de dados sensíveis, abarcados pelos direitos inicialmente mencionados, temos o que segue:

Convenção 108 do Conselho da Europa para a Proteção das Pessoas Singulares, no que tange ao Tratamento Automatizado de Dados Pessoais é tida mundialmente como um dos mais importantes marcos ligados ao assunto. É tida como suporte, para que os Estados o regulamentem em seus sistemas jurídicos internos. Criada em 1981, tem como escopo assegurar a todos o respeito a direitos e liberdades fundamentais, em particular o direito à vida privada, diante do tratamento automatizado dos dados pessoais.

No âmbito constitucional, temos o artigo 1o, inciso III, que protege o direito à dignidade da pessoa humana. Nos termos do artigo 5o, inciso X, são invioláveis a intimidade e a vida privada. Vale frisar que a Constituição brasileira, no ordenamento jurídico, é hierarquicamente superior a Resoluções. Daí prevalecer, no caso concreto, sobre a mencionada Resolução pela Operadora de Saúde.

Por sua vez, a Lei Geral de Proteçâo de Dados Pessoais (LGPD), lei Federal 13.709/18, foi promulgada para proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e a livre formação da personalidade de cada indivíduo.

No plano externo, temos ainda a Organização das Nações Unidas (ONU), que, por meio de sua Assembleia Geral, adotou as Diretrizes das Nações Unidas de Proteção do Consumidor em 1985 (resolução 39/248), posteriormente ampliadas pelo Conselho Econômico e Social (em 1999) e revistas pela Assembleia Geral na Resolução 70186 de 2015, como modo de instituir um marco internacional de guia aos Estados, na proteção dos direitos fundamentais do consumidor, tais como a proteção da privacidade e da vulnerabilidade do consumidor.

Nota-se, por fim, na óptica do Código de Defesa do Consumidor (CDC) o princípio da vulnerabilidade, segundo o qual o usuário de plano de saúde é a parte mais fraca da relação jurídica e, assim, merece proteção. Trata-se, com razão, do conceito que fundamenta todo o sistema consumerista, o qual busca proteger a parte mais frágil da relação de consumo, a fim de promover o equilíbrio contratual. Daí no caso concreto verificada a vulnerabilidade do usuário de plano de saúde.

DA CONCLUSÃO

Pelo exposto, entende-se que, a partir da análise dos prismas normativos internacional e doméstico, constata-se o amplo amparo e o fundamento, que justificam a tutela do consumidor, para que não se afrontem os direitos fundamentais basilares da saudável relação jurídica, tais como dignidade, intimidade, privacidade, honra e vida privada. Assim, os dados pessoais sensíveis do consumidor, usuário do plano de saúde, devem ser protegidos e resguardados, a menos que o consumidor autorize o seu uso, sob pena de violação de direitos alicerçados em normas alienígenas e internas.

Requer-se, assim, de imediato, a inexigibilidade da solicitação de dados sensíveis do consumidor, usuário do plano de saúde, pela operadora.

É o parecer.

Local, data.

Advogado (a)

OAB

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